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ITAPORANIDADE: os traços singulares e peculiares de Itaporanga d’Ajuda

  • Foto do escritor: Alexandre Batista Paixão
    Alexandre Batista Paixão
  • 3 de mai.
  • 6 min de leitura

Atualizado: 9 de mai.

No dia 10 de fevereiro de 2025, enquanto aplicava uma avaliação, um silêncio que, em anos de docência, jamais testemunhei algo semelhante, quase uma ausência integral de sons ou uma incapacidade temporária dos tímpanos, tomou conta da plenitude do ambiente escolar. À medida que meus estudantes, mergulhados na profundidade do rio Mnemosine, pareciam buscar as memórias conteudísticas, eu fui tomado por uma iluminação súbita à maneira budística – um lampejo que me levou a refletir sobre o orgulho de ser itaporanguense. Como definir o sentimento tão genuíno, algo tão eufórico e incomensurável quanto o patriotismo exacerbado de Policarpo Quaresma quando declarou: “Tens uma terra tão bela, tão rica, e queres visitar a dos outros! Eu, se algum dia puder, hei de percorrer a minha de princípio ao fim!”? (LIMA, 2014, p.14). “Existe um vocábulo capaz de abarcar, em toda a sua magnitude, a gratidão de ser filho de Itaporanga d’Ajuda?”, pensei. Devido à falta terminológica, de forma abrupta, veio-me a palavra itaporanidade, a qual anotei imediatamente em meu caderno de lembretes. Só depois de chegar em casa, é que pude compreender a preciosidade dessa dádiva divina. Que privilégio é poder trazer ao mundo inteligível mais uma das milhares de palavras da grandiosa língua portuguesa!


O termo é inspirado no próprio nome da cidade – Itaporanga, que, segundo o lexicógrafo Eduardo Navarro (2005), é uma palavra proveniente do Tupi: “Ita” denota pedra, e “Poranga” significa bonita. Nesse viés, preservaram-se, antes de tudo, essas duas palavras que remetem a uma de nossas maiores identidades étnico-culturais, que são os povos originários Tupis, em cujos fenótipos e genótipos itaporanguenses estão presentes ad infinitum. Por sua vez, com o acréscimo de “dade”, que, de acordo com Celso Cunha e Lindley Cintra (2025), é de origem latina e indica qualidade, propriedade, estado ou modo de ser, aludindo à indissociável presença da latinização e da romanização na formação do idioma português. Com essa aglutinação dicotômica, surgiu a palavra itaporanidade. Além de “ita” – pedra, “poranga” – bonita e “dade” – estado de ser, há uma letra “i”, que é uma vogal de ligação que duplica o “i” do início, cuja vogal também tem um significado semântico forte, pois, consoante Bosi (1977), a letra “i” é palatal quanto à articulação, ou seja, a língua sobe até o céu da boca, dificultando a passagem de ar, o que metaforiza a ideia de reclusão, ajustando-se perfeitamente à ideia patriótica de Quaresma – permanência no solo de nascimento para percorrê-lo de ponta a ponta como se fosse um peregrino dromomaníaco. Ademais, duas numerologias se sobressaem: a duplicação do “i” supracitado, que promove o conceito de companheirismo, e as sete sílabas da palavra i–ta–po–ra–ni–da–de, que sugere a metáfora de perfeição, visto que, no universo teológico, em Gênesis, Deus descansa no 7° dia, e no Apocalipse, pune as 7 igrejas, a besta de 7 cabeças e a humanidade com 7 selos, 7 taças e 7 trombetas.


Coincidentemente nosso município é o 7° maior de Sergipe, então esse algarismo faz parte da alma itaporanguense. Não é à toa que se sinto ganhador da loteria por ser ocupante da cadeira n° 7, referente a Gilberto Amado. Nesse simbolismo, a itaporanidade representa o conjunto perfeito de traços que tornam Itaporanga d’Ajuda singular e peculiar perante a imensidão étnico-cultural do Brasil. Dessa forma, dentro de um país continental, com 26 estados, 1 Distrito Federal e 5.569 municípios, conforme o IBGE (2022), o que torna o povo itaporanguense único é justamente sua cultura e sua maneira de exercê-la cotidianamente.


Por sua vez, é óbvio que toda palavra é uma mímese de uma palavra já existente. Então, mesmo tendo esse fluxo inspiratório, o vocábulo retoma a um termo que é bem marcante para o estado de Sergipe. Nessa perspectiva, no artigo “Sergipanidade: um conceito em construção” (2011), Luiz Antônio Barreto aponta que a expressão sergipanidade foi dita pioneiramente pelo sergipano Tobias Barreto, um dos maiores escritores românticos brasileiros da terceira fase, escrita por seu discípulo Prado Sampaio e, posteriormente, discursada por José Silvério Leite Fontes. De acordo com Barreto (2011), esse termo surgiu da necessidade de afirmação identitária devido à continentalidade brasileira aliada à crescente universalização cosmopolita. No entanto, à época; como quase toda criação no Brasil; o substantivo não recebeu a merecida atenção em razão da tendência costumeira à valorização cultural eurocêntrica em detrimento da nacional. Em contrapartida, seu prestígio conceitual ocorreu apenas séculos depois, tornando-se uma fonte de inspiração para artistas, escritores e intelectuais comprometidos com a disseminação das manifestações culturais e com a preservação das memórias populares.


Sergipanidade é o conjunto de traços típicos, a manifestação que distingue a identidade dos sergipanos, tornando-o diferente dos demais brasileiros, embora preservando as raízes da história comum. A Sergipanidade inspira condutas e renova compromissos, na representação simbólica da relação dos sergipanos com a terra, e especialmente com a cultura, e tudo o que ela representa como mostruário da experiência e da sensibilidade. Cada povo, situado no ambiente da sobrevivência – recorrência universal da vida humana – cria sua perspectiva, muitas vezes utópica, de futuro, adota suas crenças, incorpora seus valores, constrói seus caminhos, elabora modos de viver e de compreender a realidade, produz a sua própria história. (Barreto, 2011, n/p).


Nessa analogia, a palavra sergipanidade, derivada sufixalmente do topônimo Sergipe, que, condizente com Navarro (2005), significa “no rio dos siris”, mais a simbiose da vogal de ligação “i” com o sufixo “dade”, expressa o modo de ser, agir, pensar e sentir do povo sergipano. Conforme Barreto (2011), essa identidade cultural se estrutura a partir de um conjunto de características comuns, híbridas e flexíveis, que instiga a consciência de pertencimento a uma região ou a uma sociedade. Esse sentimento identitário é homogeneizante, já que, embora diante de elementos compartilhados em nível nacional, como a língua, a culinária, os hábitos, entre outros, restringe uma sociedade às características presentes especificamente num determinado espaço geográfico limitado. Contudo, a sergipanidade só ocorre quando uma pessoa vê sua terra como uma raridade incomparável onde se sente orgulhosa de ter nascido, crescido, vivido, reproduzido ou envelhecido. Portanto, atinge-se um estado de consciência que se reflete em ações concretas de valorização dos emblemas locais, preservação de ritos e fortalecimento da memória.


Nessa mesma linha de raciocínio, a itaporanidade se refere a um modo de ser, agir, pensar e sentir da população itaporanguense. Nesse contexto, torna-se claro que o termo não significa uma mera emoção ou um simples sentimento, todavia, um conjunto de conhecimentos, crenças, comportamentos, hábitos, manifestações, práticas e valores que particularizam e privilegiam esse local. Nessa lógica, a itaporanidade é o patrimônio cultural imaterial – os modos de atuação, a tradição oral, a organização social, os costumes intergeneracionais, as crenças espirituais e as manifestações populares que remontam à formação cidadã. Além disso, esse modo de viver é também o patrimônio cultural material, como as obras e as práticas artísticas – a música, a dança, a pintura, a escultura, a arquitetura, a literatura e o cinema – oriundos do âmbito intelectual, mas também – a moda, o designer, o marketing, a decoração, os esportes, o turismo e a tecnologia – provenientes do setor industrial, os quais são produzidos por itaporanguenses natos ou não, a fim de expressar os traços históricos, sociais, econômicos, religiosos e políticos ligados à miscigenação cosmogônica e à gênese evolutiva. Com base nas informações dispostas acima, pode-se afirmar impreterivelmente que a itaporanidade é a maior característica da Academia Itaporanguense de Letras (AIL), cujos membros são, agem, pensam e sentem por intermédio de moldes refletores da unicidade, da peculiaridade e da essencialidade de Itaporanga d'Ajuda.



REFERÊNCIAS

BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014.

BARRETO, Luiz Antônio. Sergipanidade: um conceito em construção, RSNOTÍCIA, 24 de out. 2011. Disponível: <RSNOTÍCIA: Sergipanidade / Luiz Antônio Barreto> Acesso: 24 de mar. 2024.

BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1977.

CANEDO, Daniele. Cultura é o quê? Reflexões sobre o conceito de cultura e a atuação dos poderes públicos. V ENECULT, v. 5, p. 1-14, 2009.

CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Lexikon, 2025.

IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Rio de Janeiro: IBGE, 2022. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/. Acesso em: 25 de mar. 2025.

NAVARRO, Eduardo de Almeida. Método moderno de tupi antigo: a língua do Brasil dos primeiros séculos. 3. ed. São Paulo: Global. 2005.

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